COMO MINERADORAS E INVESTIDORES INTERNACIONAIS CONTRIBUEM
PARA A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS INDÍGENAS E AMEAÇAM O FUTURO DA AMAZÔNIA
Rios contaminados, florestas destruídas, comunidades inteiras devastadas.
A mineração industrial acumula um enorme passivo socioambiental no país,
deixando por onde passa um rastro de desastres e de violações de direitos
humanos. A quarta edição do relatório Cumplicidade na Destruição, lançado
em fevereiro de 2022 em parceria entre a Articulação dos Povos Indígenas
do Brasil (Apib) e a Amazon Watch, resgata a trajetória da mineração de
larga escala no Brasil, em especial seu histórico de avanço sobre os povos
indígenas e os territórios que eles preservam.
No centro da intensa agenda do governo Bolsonaro para desmontar a legislação
ambiental e apoiar o fortalecimento do setor mineral, está a abertura dos
territórios indígenas para a mineração industrial e o garimpo. Segundo
pesquisadores, a aprovação do Projeto de Lei 191/2020 pode causar a perda
de 160 mil km² de floresta amazônica. O desmatamento ligado à mineração
na Amazônia já aumentou 62% em 2021 em relação a 2018, ano da eleição de
Bolsonaro à presidência do Brasil.
Cumplicidade na Destruição IV mostra que, apesar dos anúncios de grandes
mineradoras como a Vale e a Anglo American de que iriam abandonar seus
interesses em Terras Indígenas, milhares de requerimentos minerários com
interferências em TIs seguem ativos na base de dados da Agência Nacional
de Mineração. Em 5 de novembro de 2021 eram quase 2500 pedidos minerários
ativos de 570 empresas, associações e cooperativas, sobrepostos a 261 Terras
Indígenas no sistema da ANM, cobrindo uma área quase tão extensa quanto a
Inglaterra (10,1 milhões de hectares).
Muitas dessas empresas já figuraram em edições anteriores desta série,
por seu histórico de destruição da Amazônia e violações de direitos
socioambientais. Este relatório dá seguimento a essas denúncias ao mapear
os interesses minerários em Terras Indígenas das mineradoras
Vale,
Anglo American,
Belo Sun,
Potássio do Brasil,
e
Mineração Taboca/Mamoré Mineração
e
Metalurgia (ambas do Grupo Minsur),
Glencore,
AngloGold Ashanti
e
Rio Tinto.
Para fazer esse mapeamento, desenvolvemos em parceria com o projeto
Amazônia Minada (InfoAmazonia) um painel interativo que possibilita
pesquisa em tempo real na base da ANM.
Estudos de caso, que relatam em detalhes os impactos e violações
protagonizados por algumas dessas empresas, completam o quadro do
avanço das gigantes da mineração sobre esses territórios protegidos,
com forte apoio do governo Bolsonaro e contando com financiamento do
grande capital internacional.
Com relatos em texto e vídeos de povos indígenas como os Xikrin, Kayapó,
Munduruku, Waimiri-Atroari, Pataxó, Mura, e comunidades ribeirinhas,
mostramos como a presença e atuação dessas empresas muda para sempre a
vida desses povos e comunidades. Identificamos também os principais
financiadores internacionais por trás dessas empresas, que fomentam
essa destruição. Entre 2016 e 2021, as empresas destacadas neste
relatório receberam USD 54,1 bilhões em financiamento do Brasil e do
exterior, em ações, títulos, empréstimos e serviços de subscrição.
A publicação traz recomendações urgentes a esses atores, assim como ao
governo brasileiro e à comunidade internacional. São apresentados
também exemplos de estratégias de resistência dos povos indígenas
frente à mineração e para a proteção de seus territórios - alternativas
que recusam a sanha extrativista e defendem a vida. O futuro dos povos
indígenas e de seus territórios não está à venda.
Neste site você encontra um resumo dos conteúdos do relatório.
Faça download do PDF para acessar o texto completo da publicação.
O relatório Cumplicidade na Destruição IV é publicado após um ano que foi histórico para a luta dos povos indígenas do Brasil. Dois mil e vinte um assistiu, por um lado, à ampliação das pressões e retrocessos contra os direitos dos povos indígenas, levados adiante pelas forças que cobiçam transformar seus territórios em áreas de exploração e lucro. Por outro lado, a mobilização dos povos indígenas do Brasil chegou a um nível sem precedentes. Com a liderança da Apib e de suas organizações regionais, a luta dos povos indígenas ganhou ainda mais visibilidade nacional e internacional, em uma disputa incessante contra o governo Bolsonaro, que elegeu os povos indígenas como seus inimigos prioritários. O governo brasileiro é aliado do agronegócio, da indústria da mineração, e do garimpo e da extração de madeira ilegais. Essa atual aliança representa a perpetuação da invasão colonial sobre as Terras Indígenas que conseguiram permanecer protegidas.
A mineração é uma atividade primária, que tem raízes ainda no princípio da invasão colonial e, até hoje, segue trazendo morte e devastação ao meio ambiente e aos povos indígenas. Ela destrói os territórios, envenena as águas e tudo que depende delas, e devasta as comunidades em seu entorno. A mineração industrial impõe um enorme custo a todos para gerar lucros que se concentram em poucas mãos. Em um momento de crise climática, no qual as grandes mineradoras se posicionam como atores centrais para a produção de energias renováveis, precisamos visibilizar os impactos desse extrativismo sem limites, especialmente sobre os territórios indígenas - áreas fundamentais para contenção do desmatamento e, portanto, para o equilíbrio climático de todo o planeta.
No momento em que o Congresso brasileiro discute projetos de lei como o PL 191/2020, que abre os territórios indígenas para a mineração e outras atividades extrativas, e o PL 490/2007, que muda as regras para demarcações de terras indígenas, todo o setor mineral, seus financiadores e a comunidade internacional precisam dar um passo além e garantir que a mineração fique fora desses territórios e de outras áreas protegidas. Essa é uma obrigação de todas e todos diante dos povos que a colonização tentou exterminar ao longo da história e que, apesar disso, seguem vivos e oferecendo alternativas ao modelo de exploração e devastação de nosso planeta.
Leia a nota completa no PDF
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)
Amazon Watch
A mineração industrial é uma atividade que provoca altíssimos danos socioambientais, que se estendem muito além dos territórios onde as empresas atuam e podem durar décadas mesmo após o fim da sua exploração. Esses efeitos negativos são particularmente sentidos pelos povos indígenas, e se intensificaram nos últimos anos no Brasil. Além do seu poder destrutivo, a mineração não entrega o desenvolvimento socioeconômico que promete. Veja alguns dos impactos que destacamos neste relatório.
A mineração é responsável pela emissão de 4% a 7% dos gases
de efeito estufa lançados globalmente no planeta. Considerando
as emissões indiretas, este número sobe para 28%. As 16 maiores
mineradoras do mundo emitem cerca de 2.5 bilhões de toneladas de
equivalente de carbono por ano. A mineração demanda grandes
quantidades de combustíveis fósseis ao longo de sua operação,
consome um enorme volume de eletricidade, e
produz mais rejeitos do que minérios
(um lixo tóxico que leva décadas para ser degradado).
Além disso, as principais reservas de minérios do mundo estão
localizadas no Sul Global. Em muitos casos, estão dentro de
florestas tropicais e áreas protegidas, como as terras indígenas,
que são
importantes estoques de carbono, cumprindo um papel central
para a regulação climática. O avanço da exploração mineral sobre
esses territórios, na busca desenfreada por minérios, vai
aprofundar os efeitos das mudanças climáticas e afastar o planeta
das metas traçadas pelo Acordo de Paris.
Entre 2015 e 2020, a mineração desmatou 405,36 km² da Amazônia Legal, cerca de 40,5 mil campos de futebol. Em 2021 a mineração devastou 125 km², a maior marca desde o início da série histórica do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). Esses números, no entanto, estão subestimados pois se referem apenas ao impacto direto da atividade nos locais onde a floresta é cortada para a exploração mineral. Estudos afirmam que operações minerais de grande escala na Amazônia podem gerar um desmatamento até 12 vezes maior do que a área oficialmente concedida à exploração. Com essas projeções, estima-se que entre 2005 e 2015, apenas a mineração realizada de forma legal já causou a perda de 11.670 km² da floresta amazônica, o equivalente a quase oito cidades de São Paulo perdidas em um intervalo de dez anos.
A contaminação dos rios e cursos d’água por subprodutos e rejeitos é um dos principais impactos da atividade mineradora. As operações de lavra mineral envolvem grandes volumes de água, que acabam transportando contaminantes gerados em todas as etapas da produção. Em geral, essa água é descartada na bacia de rejeitos, cuja vida útil segue por décadas mesmo após a extração ser finalizada. Diversas comunidades que vivem próximo às áreas da mineração denunciam essa contaminação, como os Xikrin do rio Cateté, afetados pela Vale, e os Waimiri-Atroari, impactados pelas atividades da Mineração Taboca. No caso do garimpo de ouro, a contaminação por mercúrio já chega a níveis alarmantes em rios amazônicos como o Tapajós e o Uraricoera, comprometendo a saúde dos povos indígenas e ribeirinhos.
A mineração é um dos setores mais letais para ativistas em todo o planeta, ao lado da extração madeireira, da construção de barragens e do agronegócio. Dos 227 defensores que perderam suas vidas em 2020, 17 foram mortos em função de conflitos relacionados à mineração. Ainda em 2020, foram registrados 722 casos de conflito relacionados à mineração, afetando mais de um milhão de pessoas no país. Mais de 400 dessas ocorrências envolveram gigantes estrangeiras de mineração e impactaram grupos como quilombolas, ribeirinhos, pequenos agricultores e indígenas.
A mineração industrial altera profundamente as dinâmicas sociais das comunidades de seu entorno, afetando a saúde mental individual e coletiva dessas comunidades, seus modos de organização e, portanto, a sua própria sobrevivência no território. No caso dos povos indígenas, destacam-se a violação de locais sagrados ou a limitação de acesso a eles pelas restrições de movimento imposta por esses empreendimentos, a impossibilidade de realização de festividades e rituais em locais degradados, interrupções na vida comunitária pelo trânsito de pessoas e de equipamentos próximos aos territórios indígenas, o esgotamento frente à rotina de reuniões com as empresas, e o impacto na sua auto-organização política, entre outros.
Apesar dos anúncios de grandes mineradoras de que iriam abandonar
seus interesses em Terras Indígenas brasileiras, milhares de requerimentos
minerários com interferências em TIs seguem ativos na base de dados da
Agência Nacional de Mineração.
As mineradoras destacadas neste relatório, além de um histórico de conflitos,
violações e devastação, possuíam 225 requerimentos ativos para pesquisar minérios
sobrepostos a 34 Terras Indígenas em 5 de novembro de 2021 - uma área que corresponde
a 5,7 mil km² (mais de três vezes a cidade de Londres).
As TIs mais afetadas por esses pedidos são Xikrin do Cateté e Waimiri Atroari, ambas
com 34 requerimentos cada. Sawré Muybu (com 21) e Apyterewa (com 13) completam a lista
das terras mais atingidas por esses pedidos. A etnia mais impactada por estes pedidos
de mineração é a Kayapó, com 73 requerimentos. Na sequência estão os Waimiri Atroari (34),
Munduruku (25), Mura (14), Parakanã (13), entre outras. Pelo menos cinco requerimentos
estão em áreas onde vivem indígenas em isolamento voluntário, da etnia Apiaká.
Conheça mais sobre a atuação de algumas dessas empresas e o seu impacto em territórios
indígenas e de populações tradicionais nos estudos de caso deste relatório.
Em uma parceria com o portal jornalístico InfoAmazonia, responsável pelo projeto Amazônia Minada, o relatório Cumplicidade na Destruição IV lança um painel interativo que mostra em tempo real os pedidos protocolados na Agência Nacional de Mineração (ANM) sobrepostos a Terras Indígenas e Unidades de Conservação de proteção integral da Amazônia Legal brasileira, com possibilidade de filtros de pesquisa por empresas e por territórios.
Acesse o painel e faça sua própria pesquisa.
Considerando o valor dos empréstimos, subscrições, investimentos em ações e em títulos,
identificamos que a Vale, Anglo American, Belo Sun, Potássio do Brasil, Mineração Mamoré
(Grupo Minsur), Glencore, AngloGold Ashanti e Rio Tinto receberam nos últimos cinco anos
um total de USD 54,1 bilhões em financiamento
do Brasil e do exterior.
Corporações sediadas nos Estados Unidos continuam entre as principais
financiadoras cúmplices na destruição. Juntas, as gestoras Capital Group,
a BlackRock e a Vanguard investiram USD 14,8 bilhões nessas grandes mineradoras
mineradoras com interesses em Terras Indígenas e histórico de violações de direitos.
Importante também ressaltar a participação de instituições financeiras brasileiras
na lista dos principais financiadores da mineração. O fundo de pensão brasileiro PREVI
(Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil) é o responsável pelos mais
altos investimentos nestas mineradoras, com mais de USD 7.4 bilhões, seguido pelo banco
Bradesco, com quase USD 4,4 bilhões.
O relatório Cumplicidade na Destruição IV apresenta ainda dados por tipos de financiamento,
listando as corporações financeiras entre os 20 principais credores (empréstimos e serviços
de subscrição) e 20 principais investidores (ações e títulos). Para acessar todos os dados e
gráficos da pesquisa, incluindo as diferenças entre valores de investimentos e créditos,
clique aqui,
ou acesse o PDF.
TOP 5 financiadores - CREDORES E INVESTIDORES
Em milhões de dólares (jan.2016 a out.2021)
Fonte: Profundo Research and Advice. Complicity in Destruction IV - Financial Links. Nov. 2021.
Os povos indígenas resistem às ameaças impostas pela
mineração industrial e pelo garimpo há séculos.
Apesar da mais recente investida do governo Bolsonaro
para abrir seus territórios à exploração de minérios -
amparada por políticos e empresários locais, empresas
multinacionais, parte do mercado financeiro e até por
embaixadores estrangeiros, a sua estratégia de forjar
apoio popular a essa agenda se esfacela diante das
mobilizações dos povos indígenas.
Além da Apib, as principais organizações indígenas do país como a Coiab
(Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira),
além de associações representativas de várias etnias
- como as dos povos Munduruku, Yanomami, Pataxó,
entre outras - se manifestaram muitas vezes de forma
contundente contra a mineração e o garimpo. Além das
mobilizações de caráter nacional, povos indígenas
de todo o Brasil e da América Latina têm encontrado
diversas maneiras para resistir à mineração nos seus
territórios e para aprofundar alternativas a esse modelo
predatório de desenvolvimento. Alternativas que colocam a
sustentabilidade da vida, e não o lucro, como objetivo principal.
O Cumplicidade na Destruição IV traz exemplos de estratégias
territoriais de resistência como a autodemarcação da TI Sawré Muybu,
realizado pelo povo Munduruku; estratégias socioeconômicas, como a gestão
sustentável dos Territórios Kayapó-Panará; e uma experiência internacional,
com a resistência do povo Shuar Arutam à mineração no Equador.
Apesar do setor mineral atuar para assumir compromissos formais de responsabilidade socioambiental, seu modelo de operação segue insustentável, incompatível com a proteção de ecossistemas críticos, como a Amazônia, e dos povos que os habitam. As gigantes do setor, seus financiadores, os governos que regulam a atividade e todos os atores dessa cadeia precisam aumentar seus esforços para mudar esse cenário. As recomendações contidas neste relatório indicam caminhos para essa mudança necessária para as empresas mineradoras; bancos e gestoras de investimentos; para o Governo brasileiro; e para a comunidade internacional. Baixe o PDF para ter acesso às recomendações.